A dificuldade de tributar os ricos no Brasil

Palestra de Dão Real Pereira dos Santos

Dão Real Pereira dos Santos é um Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, presidente eleito do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) para o período de 2025 a 2027

O palestrante aborda a dificuldade de tributar os ricos no Brasil, utilizando a metáfora de um camelo passar pelo buraco de uma agulha para ilustrar a dificuldade de incluir os ricos no imposto de renda. Ele argumenta que a desigualdade econômica é a principal geradora de outras desigualdades e que ela só pode ser combatida quando é reconhecida e não normalizada.

Para exemplificar a magnitude da desigualdade, o palestrante calcula que levaria 16,3 milhões de anos para alguém que poupasse R$ 1.000 por mês alcançar a fortuna da pessoa mais rica do Brasil. Ele enfatiza que a desigualdade não é natural, mas sim decorrente de um sistema injusto.

É citada uma frase de Bryan Stevenson, advogado que defendeu pessoas pobres e negras no corredor da morte nos EUA: “o oposto da pobreza não é a riqueza, é a justiça”. O palestrante complementa que a acumulação de riquezas ocorre por meio da extração, onde “alguém perde para alguém acumular”.

O instrumento tributário é apontado como o mais eficaz para combater a acumulação e concentração de riqueza. A Constituição de 1988 estabeleceu as bases para um estado de bem-estar social no Brasil, criando direitos sociais como o da alimentação, tornando a fome inconstitucional. No entanto, a construção desse estado de bem-estar social no Brasil foi tardia, coincidindo com o período de ataques neoliberais aos estados de bem-estar social no mundo.

Apesar do desenho constitucional prever uma tributação progressiva, onde os mais ricos pagariam mais e os mais pobres menos, o instrumento tributário não foi controlado por quem queria um estado de bem-estar social. Em 1989, a alíquota máxima do imposto de renda da pessoa física foi reduzida de 45% para 25%, e o número de alíquotas diminuiu de sete para apenas duas.

Na década de 1990, ocorreu uma grande reforma tributária no Brasil, que isentou lucros e dividendos em 1995. Essa isenção resulta em R$ 1 trilhão não pagando imposto de renda, sendo que 47% desse valor está nas mãos de apenas 0,1% da população. Essa medida “congelou a tabela do imposto de renda”, fazendo com que ela se tornasse menos progressiva ao longo do tempo. Em 1985, quem ganhava oito salários mínimos não pagava imposto, enquanto hoje celebra-se que quem ganha dois salários mínimos não pague.

O palestrante conclui que essas mudanças no campo tributário tiveram como função inviabilizar a Constituição de 1988. Ele ressalta a importância de a sociedade se apropriar e disputar o instrumento tributário para combater a desigualdade social. Há uma oportunidade de rever a cobrança de impostos sobre lucros e dividendos, o que poderia arrecadar cerca de R$ 200 bilhões adicionais em tributos. Esse valor seria suficiente para erradicar a fome e a pobreza no Brasil, que, segundo a OIT, precisa de R$ 25 bilhões por ano e, de acordo com o IBGE em 2020, R$ 120 bilhões por ano. A arrecadação de R$ 200 bilhões poderia ser alcançada revogando dois artigos da Lei 9.249.

 

Deixe um comentário